Cose-me aí esse botão...

Ontem o meu pai pediu-me para lhe coser um botão no sobretudo com aquele olhar de Bambi que os pais fazem quando precisam mesmo de algo...
E vai daí que me lembrei  da Dona Iria, com o seu cabelo branco e cinza, pelo queixo  sempre com uma bandolette e enrolado para dentro, com os óculos empoleirados na ponta do nariz debruçada sobre os paninhos nas nossas mãos:"
Faça-me isso direitinho... Olhe a linha! Puxe-me isso!!!...Onde é que já se viu o pano todo arrepanhado, estique-me isso menina!... 
Picou-se? Bem feita, não pôs o dedal...O ponto de cruz não é para inventar, tem que ficar em linhas por trás, sabe?".

 A Dona Iria era a nossa professora de Lavores nos "Tempos-Livres" e ensinava-nos a dar uns pontinhos jeitosos em paninhos aos quadradinhos vermelhos ou verdes, a fazermos imagens feias e parolas a ponto de cruz, a tecer num mini tear coisas sem nexo e a fazer pompons ("Doze menina, doze...!") para no final juntarmos e fazermos uma lagarta.

Os 'Tempos Livres' ficavam num edifício antigo com três pisos e salas com um pé direito bem alto, chão de madeira escura que rangia quando dávamos um passo e com tectos - na altura feios a meu ver - lindíssimos, todos ornamentados com aquelas decorações em gesso.
Na altura, Lavores era dos ateliers mais ridículos e mais chatos que tínhamos, ainda por cima a Dona Iria refilava imenso com toda a gente e ainda mais comigo - ou assim parecia. 
Na sala havia um cheiro a botões velhos e a cera de madeira cor-de-laranja (bom...) e só se ouvia um murmurinho de vozes interrompido por repentinos 'Ais' quando alguém se picava na malvada agulha.

Acho que tenho um dom qualquer para a costura, era uma expert (e ainda sou, apesar de já não ser hobby nenhum) a fazer ponto-de-cruz mas nunca consegui fazer a dita lagarta, pois conseguia demorar imenso tempo a fazer pompons, porque me punha na conversa e tinham que ser "Doze menina, doze...!" - fiquei sempre com a ideia de que mos roubavam mas isso também não interessa para nada. Aliás, lembro-me de ter cerca de 5 anos e estar com a minha bisavó a aprender a fazer 'cordão' mas, como nunca soube dar a volta para a carreira de cima, se ela não estivesse por perto, limitava-me a fazer metros e metros de cordão. Ela ria-se.

Hoje, quando tenho que coser qualquer coisa, armar-me em estilista de improviso ou ajudar a minha irmã em projectos de educação visual, lembro-me sempre da Dona Iria e até chego a ter saudades do seu tom autoritário e dos seus óculos na ponta do nariz "Faça-me isso direitinho... Olhe a linha! Puxe-me isso...!!"

5 comentários:

Branca de Neve disse...

Também aprendi a fazer ponto-de-cruz com a minha mãe mas não era muito dada à coisa, para grande desgosto dela.

Madame Frufru disse...

Em tempos também fiz ponto de cruz. Aprendi a EVT, vá-se lá saber porquê e passei um Verão naquilo até ter ficado sem dinheiro para as linhas.
Hehehehe

Nádia disse...

Já sei onde bater à porta para trabalho prendados :)

Ana, Dona do Café disse...

é, sou uma jóia de moça, muito prendada... faço-te uma quadro emoldurado a ponto de cruz com o teu nome e umas rosas daquelas bem bonitas :D LOL!

Frufru, eu tinha uma retrosaria perto de casa, o raio das linhas eram mesmo caras..e o tecido também, a minha ruína precoce afirmou-se aí..:D

Branca de Neve, por muito jeitinho que tenha, não me serviu de nada até agora.. Não perdeste nada, só horas de picadelas nos dedos e dinheiro..

Rosa Cueca disse...

Eu nisto sou uma inutilidade, por isso é que se eu fosse gajo casava contigo - remendavas-me as meias.