Vem

"Neste café, sinto que aquele piano está a fazer com que os nossos olhares se cruzem, sinto a melodia envolver-nos duma forma excessivamente viciante, e agora mais do que nunca, o meu corpo implora pela presença do teu.
Vem.
Estou aqui, não te percas. Não, não me olhes dessa forma, não me faças a mim, perder-me. A minha mão está estendida, não tenhas medo, eu recebo-te.
Não receies, prometo-te que os nossos sonhos nunca vão ser maus, não falo em pesadelos, porque só existem sonhos bons e maus.
O teu sorriso tímido reflecte-se em cada gesto meu.
Neste momento, sinto-me atraída por uma alma de traços exteriormente pequenos e simplórios. Não me sinto minimamente interessada pelos parâmetros de perfeição e beleza adoptados pelo ser humano. Sinto-me encantada pela imperfeição que reténs e na raridade interior que aparentas.
Por que é que, por momentos, o paraíso tornou-se demasiado real e fácil de alcançar?
Por que é que, sinto falta de algo em ti, se ainda nem me deste nada?
Por que é que, ver o teu sorriso espelhado em todos os cantos deste café, me faz querer vivê-lo ainda mais dentro de mim?
Não me obrigues a ser eu, logo eu, a quebrar a barreira física, por favor, vem, a telepatia já é muito pouco, em relação à nossa conquista mútua.
Corre para mim, esquece o piano, as pessoas, a tua bebida e a concentração aparente nesse teu livro. Fecha os olhos, e deixa-te levar pelo som do meu respirar apressado, hoje ele é a tua bússola.
Eu sei que me vais descobrir, o norte está virado para a minha mesa.
Ver-te a cada segundo dentro da minha percepção de tempo, faz-me perder a total noção de toda a lógica que envolve o Mundo.
A dada altura, sinto quase todos os meus sentidos apurados ao máximo.
Vejo uma certa inquietação acentuar-se em ti, vou revirar os meus olhos, vou tentar apreciar a melodia inicial.
Distraio-me com a minha própria carência e solidão, brinco com as minhas mãos, faço jogos patéticos com os dedos, tento explicar-me que todas as fantasias são apenas fruto da minha instabilidade interior, nada mais.
Mas, preciso de saber se já te foste embora, preciso tentar, pelo menos, ver-te uma última vez, nem que seja pelo vidro deste café, quero só por momentos, gravar a tua imagem, sem que para isso necessite de disfarçar.
Não posso, não devo agarrar-me a algo tão desconcertante e incerto, não me vou deixar guiar por mais uma luz tentadora e mentirosa, não vou.
Arrepio-me até ao coração, sinto uma força teimosa a tentar transtornar-me.
Olho em redor e vejo o empregado dirigir-se a mim, com ar de quem me quer transmitir algo.
Passa por mim, e deixa-me um papel sobre a mesa, sem dar qualquer explicação, ou dizer-me sequer uma palavra.
Abro o papel, com um ar curioso e ao mesmo tempo receoso. Nele dizia: “ Seguirei o caminho que me traçares. Conheço o teu sinal. Sei que me irás desenhar linhas com as cores da tristeza que há em ti, eu vou apagá-las cada vez que as ultrapassar. Não quero que mais ninguém saiba que alguém tão bonito como tu, sofre.”
Olho pelo vidro embaciado, e vejo-te lá fora, à minha espera. Não vou demorar, espera, se depender de mim, nunca te vais perder, por mais chuva que caia, tal como neste dia."

Mariana Delgado(c)

[Mariana Delgado, para além de ser uma escritora fantástica, é duplamente fantástica...e porquê? Porque é minha prima!
- Podem encontrá-la também no Surface Underground [aqui] -
Um grande beijinho e obrigada por teres escrito nesta mesa de café, da tua, sempre orgulhosa da sua priminha, Ana]

14 comentários:

Anónimo disse...

É verdade, se eu curto as cenas dela no Surface então este texto, oh, muito bom mesmo...mas ela já me habituou...
Beijinho pas 2*

Sr. Humberto disse...

Oh Mariana, não devias estar a estudar? :D
mas tá muito bom o texto, sim senhor. Eu com 15 anos nem o boletim do Totoloto sabia preencher... e mesmo agora tive de clicar na cadeirinha de rodas p validar o comentário.
Beijinhos prás primaças.

J.Gil disse...

Méri, doem-me os olhos, de tão colados terem ficado ao ecrã. Mas confesso que, se faltava algo que não lia há muito tempo, encontrei-o aqui (finalmente!). Gostei da mensagem, mas essencialmente da maneira tão incrível com que consegues captar a atenção de uma pessoa que não vê mais nada à frente, senão as férias!=D Enfim...

Sem querer fazer um comentário maior que o texto, despeço-me, das duas primas!=D

Beijinho do Giw*

[Bom blog!]

b. disse...

Brilhante Mariana!

;)

Anónimo disse...

afinal o jeito para a escrita deve ser genético! lol
já pensaram em escrever livros?
boa sorte e pararabéns a ambas.
bjs

Pitanga Doce disse...

Ana, vejo que andas a dançar ao som da mesma música.
beijos da pitanga.
olha, visita-me falo do filho que vai pra Coimbra.

teresa.com disse...

fazes muito bem em estar orgulhossa! Assim vamos conhecendo os desconhecidos...

Su(sana) disse...

Não conhecia, mesmo... Mas, adorei o que li. ( : Tens uma prima que escreve com a alma e bem.

* Beijinho, Ana.

Jmn disse...

A tua prima está lá!
Bem escrevinhado, sim senhora :)
Bjufas***

Pedro disse...

Simplesmente, lindo.

Bjos.

SG disse...

Uma meia de leite, por favor.
E um doce dos melhores, dos que adoçam a língua e consolam o espírito.
Beijos
S

Cleopatra disse...

Tomei o café todo,,, até ao fim,,, sem açúcar.
Não precisava
E revi-me em Viena.
Lindo texto.
Bom texto!

Sandro disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Sandro disse...

Li o texto enquanto bebia um chá aqui na tua mesa de café..
e que bom...