Para a Bia, a amiga imaginária que nunca tive

Os passeios e os piqueniques junto ao rio eram a diversão das férias de Verão.
Eu era a mais pequena. Depois do almoço tinha que ficar sempre quieta a pintar livros com desenhos estúpidos para fazer tempo para ir tomar banho ao rio. Os meus primos mais velhos não tinham que ficar a pintar livros porque a tia Júlia tinha dito que eles podiam brincar ao pé do rio.
"Tu não, és pequena Mariana! Vai-te sentar a pintar e a guardar as coisas!"
"Mas não está cá ninguém... Não é preciso guardar as coisas."
"Mariana faz o que te digo...Não te quero a brincar no rio sozinha, pode-te acontecer alguma coisa."
E lá ia eu eu para debaixo da copa das árvores com os meus lápis de cor. Sentava-me na manta grande aos quadradinhos vermelhos e brancos a observar os meus primos a brincarem às escondidas lá em baixo entre os arbustos ao pé do rio e riscalhava o livro todo enquanto cantava bem alto, cheia de medo por me deixarem ali sozinha.
Uma vez, sem eles darem conta, levantei-me e fui-me esconder nos arbustos para eles me encontrarem no jogo deles. Mas o dia estava tão quente e estava uma sombrinha tão boa no sítio que escolhi, que eu adormeci em cima da pedra quente com a cabeça enfiada no meu chapéu de palha. Acordei estremunhada com os berros do meu primo Tiago a ralhar comigo e o olhar da tia Júlia quando cheguei a casa fez-me ter pesadelos durante uma semana. Estive uma semana em casa de castigo a ajudar a minha avó a tratar do jardim e proibida de ir para o rio com os meus primos. Eu só queria brincar...mas eles não perceberam.

Nasceste a partir de um bocadinho do chantilly do bolo com morangos que a tia Júlia fez para levarmos a um piquenique. Ninguém mais deu por ti mas eu vi-te, peguei em ti e escondi-te no meu estojo dos lápis de cor.
Nesse dia, quando os meus primos foram brincar para o rio, fiquei na manta grande de quadradinhos vermelhos e brancos a conversar contigo e logo ali ficámos amigas.

Disseste-te que te chamavas Bia e tinhas umas asas semi transparentes que mudavam conforme eu estava triste ou alegre. Naquela tarde estavam de um azul brilhante que eu achei lindo. Cabias na minha mão pequenina e no bolso da minha saia cor de rosa.
Eras a minha companhia quando eu estava mais sozinha, limpavas-me as lágrimas quando eu estava triste, ríamos a ver os filmes da disney e até me ajudavas a fazer os trabalhos de casa.
Hoje somos quase como irmãs, continuas a acompanhar-me para todo o lado e, de vez em quando, tiro-te do bolso, ponho-te na palma da mão e tenho longas conversas contigo e rio-me contigo...mas ninguém sabe.
Outro dia falei de ti à Catarina e ao Francisco,que são da minha turma na primária. Eles riram-se e disseram-me que sou doida por ter uma amiga que ninguém vê.

Não me importo que eles não se acreditem em mim. Eu sei que existes...estás sentada na ponta da minha caneta enquanto escrevo e com um sorriso maroto a leres o que escrevo.

15 comentários:

Su disse...

gostei do que li
acho q todos nós tivemos ou fizemos um amigo/a imaginario...em ultimo caso um outro nós

"Eu sei que existes...estás sentada na ponta da minha caneta enquanto escrevo e com um sorriso maroto a leres o que escrevo"

gostei, recordei
jocas maradas

Anónimo disse...

Que ternura :) Há coisas que só nós vemos e sentimos :) Por alguma razão parece, por vezes, que estamos a falar sozinhos ;) Um beijo enorme.

Anónimo disse...

Giro, engraçado, imaginativo, doce, querido, verdadeiro...
Quando o vi tao grande ia desistir de ler...mas depois das primeiras palavras desisti de desistir...
fez-me bem, fez-me rir,
fazes parar o tempo com essas palavras e isso é dificil de conseguir...
és a dona do café que nenhum café tem...se alguem tivesse eu nao sairia dele!!
Tratas bem os clientes que cá vem, assim cativas as pessoas, eu começo a ficar afectivo a este espaço!!!

Anónimo disse...

Como se vê, também há bons "posts de gaja"!

Ana, Dona do Café disse...

Eu não tenho nenhuma bia, ou melhor...admito que tenho uma espécie de bia com quem tenho muitas e muitas conversas todos os dias, só não tem é nome :)
beijinhos pa todos

Miss I disse...

Tão ternurento!! Gostei imenso!***

A Gerência disse...

Falta-te algo à vida...
Tantos a mentir para dentro de si, porque não ter conversas com fantasias? Elas estão aí..

b. disse...

Também me deparo por vezes a conversar com não sei bem quem, mas também nunca me preocupei muito em saber, nem em denominar com quem mantenho tais diálogos.
No fundo acho que falo com a minha consciência!!

*

Anónimo disse...

A minha filha, agora quase com seis anos, tem um amigo imaginário quase desde que começou a falar, chamado Uáije... Vá-se lá perceber de onde veio o nome.

Achei delicioso ler as descrição quase fiel daquilo a que assisto cá em casa (últimamente, o Uáije arranjou uma irmã. a Menina Uáije... Nem vou tentar perceber esta última).

Adorei o post. Jinhos da Maria

Ana, Dona do Café disse...

Gran Vizir... cházinho de menta para relaxar?...

hoje realmente só um tapete voador me conseguiria despertar alguma surpresa...aconteceu-me de tudo!! fiquei sem net...enjoei a musica do atendimento da clix por ter ligado para lá 6 vezes, liguei pa uma empresa qq em lisboa e trataram-me como se eu fosse uma engenheira informática só pq sabia de cor os termos todos dos variados problemas que me aconteceram no pc... Olhem, estou de rastos. Inspiração para post agora? No way!... later on i'll try.
beijos...(que cansaço de dia e de tudo!)

matilde disse...

Resolvi Colocar uma Sondagem no Blog a Nivel World Wide Web ...

Para que vocês possam-me dizer com toda a Sinceridade, Honestidade e Competência ...
Com Quem é que Eu pareço Mais, OK ...!?

Mil Bjks da vossa Matilde ...
E um Bom Feriado!

caju disse...

Que coisa mais suave e bonita essa "declaração"... Dá uma sensação de leveza para quem está tendo um dia conturbado como eu.
Um bom abraço!

Anónimo disse...

Muito bonito, e quem nunca teve um amigo ou amiga imaginário? Ou ainda tem? Quem é que não "fala sozinho" na maior parte das situações? hehe
Bjufas

Anónimo disse...

eu gostei. está muito giro.
beijinho da mana margarida

merdinhas disse...

Foi mais ou menos assim que começou a Alice no País das Maravilhas..."Alice começava a aborrecer-se imenso de estar sentada à beira-rio com a irmã, sem nada para fazer: espreitara uma ou duas vezes para o livro que a irmã lia mas..."
Já agora, se não estiverem muito atrasadas, espreitem ( a dona do café e a Bia) o meu último post "Christmas gift" e vejam o manuscrito desse livro (num link) Folheia-se e ouve-se a história ...