"O dia em que chegaste a casa e não havia casa"

E se um dia a terra tremesse e o mar devastasse o sítio onde moras? E se o mar matasse amigos teus e familiares? E se a tua casa, as tuas roupas, as tuas recordações,simplesmente deixassem de existir?

De repente estavas na rua e viste imensa gente vinda da zona da praia a correr e a gritar. O teu pai deu-te a mão, a tua mãe abraçou-te e largaram a correr para uma zona longe da costa. Ouvias falar numa onda gigante que se estava a aproximar dali. Não percebias, eras tão novo. Os gritos das pessoas iam aumentando e à tua volta, todos corriam, todos soltavam gritos de aflição...
De repente olhaste para trás e viste ao longe o motivo de pânico daquela gente. Sentiste os braços do teu pai a abraçarem-te e entraste numa casa grande que ficava já bastante longe da zona do mar...Pela janela viam-se pessoas a chorar e a olharem para trás e havia água por todo o lado formando rios nas ruas da terra. Adormeceste cansado, com o teu pai a abraçar-te com força e não te lembras de mais nada.

...

Foi tudo de repente. De repente lembras-te do primeiro beijo que deste àquela pessoa de quem gostavas, na praia, naquele recanto meio escondido ao pé das árvores; daquela bola de futebol que o teu pai te comprou e em todos os jogos que jogaste com os teus amigos tardes e tardes sem fim debaixo do sol escaldante; de todos os banhos de mar que deste naquela água límpida; do sorriso da tua mãe quando chegavas da escola; dos teus amigos e das brincadeiras que te divertiam por horas e horas... Agora olhas em volta e o que vês? Tudo destruído. Pessoas a chorarem...árvores caídas, carros estilhaçados...

Foi de repente. De repente aquele tremor de terra e aquela onda enorme mudaram toda a tua vida. Para onde foi morar o teu sonho de convidares aquela rapariga que morava ao teu lado para ir brincar contigo?...Quando te vais encontrar com os teus amigos para voltarem a jogar à bola? Quando é que a tua mãe se irá despedir de ti à cama e aconchegar-te o lençol? E o autocarro da escola, que está submerso, quem o irá conduzir? Não percebes. O teu pai segura-te pela mão, pega-te ao colo e grita desesperado pela família, pelos amigos. Foi de repente. De repente o mundo pareceu-te que ia acabar."Onde está a minha casa?...era aqui a minha casa. Ó pai diz-lhes...Pai onde está a nossa casa? Onde está o teu carro? Porque estás a chorar? Porque estão todos a chorar? Onde está a mãe?"...

Aquelas pessoas a viveram em sítios tão pobres, dependentes do turismo e da beleza da sua terra a verem a sua vida ser levada pelo mar. E não são os danos materias o mais preocupante, mas sim a quantidade brutal de pessoas que morreram e que não conseguem resistir aos danos físicos que sofreram ao tentarem salvarem-se desta desgraça; e os pais à procura dos filhos, os amigos à procura dos amigos, os amantes à procura dos amantes...e o sofrimento à procura de esperança.Perderam tudo. Os heróis, que lutaram pela sua vida aguentando as águas furiosas e objectos a colidirem contra si violentamente, não têm nada. Procuram restos da sua vida, pessoas da sua vida...e nada.
Admiro essa sua luta, mas terão estas pessoas força para começarem tudo de novo? Lágrimas que cheguem para amansar a sua perda?

Estou sem palavras...
Um beijo triste.



Ps- Encontrei as duas últimas fotografias neste blog de um rapaz de Sri Lanka, é curioso e, ao mesmo tempo, assustador ler isto agora:

"Tuesday, December 21, 2004

Morning light

I enjoyed the ride around the corner to work this morning. All quiet and golden, long shadows, birdsong, spokes whirring. I wished I'd left earlier, but I was glad to have taken a camera."

4 comentários:

Sr. Humberto disse...

No meu blog, brinquei com a situação mas não com as vidas perdidas de tanta gente. Só quem passa por tal coisa, poderá saber no que pensar e mesmo essas...

Mas convido-vos a visitar 1 post do meu blog onde é atribuído o prémio "Miss Estupidez do Ano 2004", graças à referida tragédia (há muito quem ande mesmo cá só por ver os outros andarem)--> http://despsi.blogspot.com/2004/12/miss-estupidez-do-ano-2004.html#comments

Rosa Cueca disse...

E se a cada momento pensássemos em todas essas coisas? Estamos sempre a ser alvo das mais variadas coisas...De um momento para o outro também podemos perder tudo...e nem assim valorizamos o que temos devidamente.
Sinceramente prefiro não me questionar sobre a dor que seria perder tudo o que tenho...
Se calhar custa-me mais pensar nos sobreviventes que terão de reconstruir tudo sem as pessoas que amam ao seu lado, com o fardo de más condições de vida, sem o amor e carinho daqueles mais importantes.
Porque a morte espera-nos, é inevitável e quem fica é sempre quem acaba por sofrer mais...Não sei se isso é frieza, ou o que será...mas é assim que sinto...

Drifter disse...

Resta-nos, a nós como pessoas, ajudarmos com os meios que tivermos, pois nunca saberemos quando precisaremos nós dessa ajuda.
Resta-me a mim, como aspirante a médico, estudar tudo o que puder, de forma a que, numa próxima catástrofe (que infelizmente tenho a certeza de que irá acontecer, pois a Terra nunca dorme durante muito tempo), eu possa intervir mais activamente. Ajudar como puder e, em cada olhar de agradecimento, ir buscar forças para tratar o próximo doente sem lhe pedir nada em troca.

Anónimo disse...

Não há palavras para descever tamanha dor. Acho que nem quem está a vivê-la a consegue transcrever, quanto mais eu a milhares de quilómetros. A esta distância, que afinal é apenas de alguns metros até à televisão mais próxima, não consigo sequer imaginar a dimensão da tragédia. Parece irreal, parece mais um dos muitos dramas dos noticiários, mas a verdade é que aconteceu e milhares morreram. Acho que a sensação de irrealidade, causada pelo distanciamento (visto que se fosse em Portugal, todos nós veríamos com outros olhos) funciona como uma auto-protecção inconsciente. Imaginem apenas que todas as tragédias do mundo nos afectassem da mesma maneira, como se tivessem acontecido connosco ou com a nossa família...não havia simplesmente espaço para a alegria.
Lamento muito o que aconteceu. A TMN lançou uma campanha para ajudar a AMI ... basta telefonar para 12700 ou mandar uma sms com a palavra AJUDA (com maiusculas) para o mesmo número. Ao fazer isso estão a contribuir com 1€. São só dois cafés...não custa nada!
Abraços e Beijos (um especial para ti Ana)