Eugénio de Andrade"Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias:
os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."
Eugénio de Andrade 1923-2005
Existem poetas que escrevem com o coração; é deles a caneta que desenha letras que transpiram sentimentos. Há luzes que se fundem, mãos que se entrelaçam, olhos postos no horizonte.
Segundo o DelGiorgio, ela era frequentador do Café Cifrão, no cruzamento da Rua Duque de Saldanha com a avenida Rodrigues de Freitas e era lá que ia sempre tomar o seu cafézinho para se inspirar...
Hoje o poeta Eugénio de Andrade deixou-nos...deixou-nos o que o seu coração lhe sussurrou durante todos estes anos, deixou-nos saborear a magia da sua escrita...a perdurar no tempo.
Em homenagem a este grande poeta, aqui fica um poema seu, um dos seus mais belos poemas.
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3 comentários:
Dsta vez tenho que dar razão ao Jorge ( não é fácil! ), ele parava mm no Cifrão...
Pode ser que agora, depois de morto, seja mais reconhecido... É o que acaba por acontecer a todos os poetas, infelizmente... E digo infelizmente, não porque eles não mereçam o reconhecimento, apenas pq acho que o deviam ter tido sempre e não apenas quando não estão cá para o apreciar. Se bem que Eugénio de Andrade nem foi dos mais "esquecidos" em vida...
Anyway, este poema é lindo gémea, bom gosto as always ;)
mua*
:(
Bjos
É uma perda duríssima. Fica a sua obra, para que nunca o esqueçamos. Eugénio de Andrade foi/é um poeta e tanto! Beijo grande.
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